sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

La Paz



Toda viagem só começa quando pisamos o chão do nosso destino.
Sinto que realmente cheguei a La Paz quando desço à rua, piso o chão e encaro os rostos cansados e tristonhos das cholas que passam por mim com seus sacos coloridos às costas. Em alguns destes, um amontoado de objetos as faz inclinar-se à frente com o peso. Em outros, percebe-se a cabeçinha de uma criança olhando ao redor.

De paz, La Paz não tem nada. Debaixo dos toldos azuis que cobrem toda a rua, cabeças apressadas movem-se desordenadamente pelos corredores estreitos por entre as tiendas. Por toda a rua, por todo lado, o comércio borbulha desde logo cedo sobre o asfalto.

Do chão, um colorido mágico prende o olhar até mesmo do viajante mais desatento. Muita cor nas saias das mulheres que levam a cidade às costas, nas bochechas rosadas das crianças de rostos rechonchudos, nos produtos à venda nas tendas (roupas, brinquedos, cacarecos, tecidos, comidas, artesanias), na fachada dos edifícios, nos copos das vendedoras de sucos coloridos nas calçadas, nas verduras e frutas expostas sobre mantas de cores brilhantes, nos letreiros dos outdoors, nos artesanatos...


La Paz afunda em um imenso lago de terracota, que se forma em uma cratera cercada de montanhas. Conforme se sobe as encostas, a cor muda, e têm-se uma impressão mais clara do imenso lodo. Do alto, a cidade multicolorida torna-se um emaranhado de terracota, quase incolor, contrastanto com a grandeza e brancura das montanhas nevadas e o azul brilhante do céu.

A paz está quando se consegue formar uma imagem completa deste turbilhão entre as montanhas e descobrir-lhe a beleza oculta. Do alto, do ar, quando o viajante se prepara para mergulhar ao fundo do poço para descobrir o arco-íris.

Como vou entrar em 2008


Eis o roteiro:

Saí de SP dia 23 de Dezembro, rumo à Bolívia
3 dias em La Paz
2 dias em Copacabana, às margens do lago Titicaca
Viagem rumo ao Peru no dia 28
1 dia em Puno, Peru, às margens do lago Titicaca
2 dias em Cusco
Ano Novo em Cusco
4 dias na Trilha Inca, caminhando e acampando
Dia 4 de Janeiro, chegada em Macchu Pichu, à pé
Partida para Lima no dia seguinte
2 dias em Lima
Retorno a SP, no dia 7 de janeiro.

Escrevo de Puno, e ainda nem cheguei na metade da viagem...
Muitas experiências, amizades, impressoes, reflexoes.
Só energia positiva, planos e mudancas para 2008.

sábado, 22 de dezembro de 2007

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

SER E NÃO SER


quando te vejo
dois olhos orelhas
nariz boca bochecha
eu me olho em ti

de repente num relance
somos um mesmo ser olhando

quando te encontro
braços pernas
barriga umbigo
eu me espanto contigo

pelo tempo de um relâmpago
somos dois seres se entreolhando

(Chacal)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Travessia










Esta semana estou em silêncio.

Para meditar.

Para repôr as energias.
Para rever o que foi e pensar no que será.

Quero me preparar,

para no dia 1 de janeiro de 2008,

começar a subida dos Altiplanos
rumo à cidade que não conheço.
Cidade sagrada para uns,

ponto turístico para outros,

mas, para mim, um objetivo,

um símbolo de persistência

em fragmentos do passado.


Caminharei 4 dias

em busca de mim mesma.

Em travessia.

E, ao chegar lá no alto,
talvez poderei compreender
tudo aquilo que deixei lá embaixo.

"Se digo que a cidade para a qual tende minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la. Pode ser que enquanto falamos ela esteja aflorando dispersa dentro dos confins do seu império; é possível encontrá-la, mas da maneira que eu disse".
(Ítalo Calvino,
Cidades Invisíveis)

sábado, 15 de dezembro de 2007

Amor


"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura"


(João Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Fragmentos








Desfiz-te em mil pedaços para poder ver-te por inteiro.

Cada fragmento em que te enxergava
em fração inacabada e limitada,
via um todo em si que continha uma pequena parte do todo de ti.

Busquei sentido em cada minúcia.
Cada detalhe foi friamente debulhado,
cada um em si e por si
até que nada restasse obscuro.

E finalmente percebidas por inteiro,
cada uma das partes,

agora não mais desconhecidas para mim,

fui aos poucos reencaixando,
recolocando ordem no que desordenado ficara.

Porém os fragmentos,
por minha mão novamente colocados juntos,
deram origem a um outro alguém,
um você-outro visto tão de perto,
que já não mais reconheço como o você de ontem.

Desfiz-te em mil pedaços
e minha lucidez de hoje
não mais me permite refazer-te como antes.

Mas não me importo nem um pouco com isso.
Porque recompor-te não faz mais o mínimo sentido.

Restam apenas fragmentos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Paz interior










QUE CHEIRO ELA TEM?

Cheiro de chuva
Cheiro do ar antes da chuva
Cheiro de terra depois do temporal
Cheiro de mar
Cheiro de mata
Cheiro de cachoeira
Cheiro de fogueira
Cheiro de dama-da-noite numa rua movimentada de SP

Cheiros que amolecem a alma...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

QUASAR










Quem viu foi o Sérgio, e olha só a descrição que ele fez da coisa toda:

"Nada é mais profundo no homem do que a sua pele."
Paul Valéry

No programa que peguei antes do início, havia um texto muito chavão do coreógrafo explicando a "mensagem" que queria passar com aquela apresentação, tudo muito superficial. Pensei: isso vai ser uma bomba. Mas quando os dançarinos começaram a primeira música, uma dança que envolvia uma espécie de luta entre dois homens, não um confronto heróico, grandioso, épico, mas cotidiano, preso ao chão, urbano, seco - aí fiquei encantado. É outra linguagem, algo fora da palavra, de modo que pedir ao coreógrafo que transmita aquilo por meio de um texto é o mesmo que pedir ao Guimarães Rosa que dance com perfeição o Grande Sertão. Sem contar que o corpo humano quando se expressa daquela forma - direta, não em um filme gravado anteriormente, mas aqui, a cada passo que é presente, sempre incerto, uma quase queda que se torna algo belo, talvez devido justamente a sua fragilidade -, esse corpo ressurge para nós como uma espécie de tela mágica de pintura, a qual vai criando formas e cores a partir de sua superfície ou, se preferirmos, de sua interioridade carnal que, num arriscado golpe de luz, se torna pura visibilidade. Isso me transmitiu uma força de realidade, uma solidez de corpo e espírito, de uma qualidade bastante diferente da que a palavra costuma criar em mim.

(Sérgio Bacchi Machado)

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Tirou as palavras da minha boca...



"Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois; não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi."
(Mário de Andrade)


domingo, 2 de dezembro de 2007

SÃO PAULO


Foto by Vlad Barreto

There are only two ways to get to São Paulo: by land or by air. Either way, the traveller's choice doesn't matter; his lasting impression of the city will always be the same.

For those who travel by land, via a country road, they pass numerous impressive and beautiful landscapes, then, growing from the horizon, right after a curve behind a hill, they see a dull, uneven grey mass; a mosaic of concrete, projecting vertically, transforming into an unattractive jungle of shoebox-like trees.

Those who travel by air are taken aback by their first sight of the city and its haphazard forms. From the air, as far as the eye can see, the geography of São Paulo resembles a reservoir trying to swallow up the buildings. The greyish lake spreads between the valleys, veins and roads, until it becomes one with the uneven horizon. In the disorder and disorientation previously unidentifiable figures are now clearly visible. Even with its colours, everything seems dark, pallid, and anaemic. And so, as the traveller descends steadily, the once deformed horizon hides itself behind the immobility of vertical buildings, which seem to creep upward from the ground.

From high above or from the ground, the visitor arrives at a rock-solid city once seen as an immense colourless ocean. Closer, the unreachable space of its high vertical horizon defined by skyscrapers, the numbness on one's sight is finally realised.

Introduction to the book São Paulo, 17/7/2007,
by Vladimir Barreto, 2007

Translated by Vladimir Barreto

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Horizonte Invisível












“Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe”
(Ítalo Calvino, Cidades Invisíveis)

Há apenas duas maneiras de se chegar a São Paulo: por terra ou pelo ar. Não importa qual delas o viajante escolha, a primeira e a última impressão que terá da cidade serão as mesmas.

Quem chega por terra, por uma das estradas vindas do interior, depois de cruzar inúmeras paisagens verdejantes, vê despontar no horizonte, logo depois de uma curva, e por detrás de um monte, uma massa descolorida e disforme, fluida como um grande lago, que aos poucos se vai transmutando em formas verticais e retangulares. Avista-se na proximidade cidade de linhas retas, em que o curvilíneo não aparece, e o verticalismo suplanta a forma do horizonte, até eliminá-lo por completo.

Já o viajante que vem por cima, surpreende-se logo de início com a deformidade das formas. A geografia de São Paulo que se distingue do céu é como uma enorme represa que vai inundando desordenadamente os limites do visível. Por entre morros, veias e estradas, espalha-se o lago cinzento que se perde de vista até se fundir com o horizonte. Percebe-se a desordem e a desorganização em figuras a princípio irreconhecíveis. Tudo é cinza, escuro, incolor. Até que se vai descendo lentamente, e logo o horizonte se esconde por detrás da imobilidade das construções verticais que parecem brotar do chão.

Por cima ou por baixo, chega-se à cidade sólida que se avista de longe como um imenso mar. De perto, o espaço inalcançável de seu horizonte vertical, no qual a vista se perde, sem poder se fixar a um ponto particular.

Cidade que se suspende e se alonga em vértice, onde sonhos, desejos e medos se fundem em um emaranhado de formas e cores desconexas.

“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam uma outra coisa”
(Ítalo Calvino.
Cidades Invisíveis)


quinta-feira, 22 de novembro de 2007

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

O FERIADÃO






























Foi numa cidade invisível,
com nome masculino,
mas de alma feminina.

Tinha uma casa no alto da montanha.
Bem lá no alto.
E uma rede em parede de vidro,
com o vale todo se estendendo lá embaixo.

Chovia fininho lá fora.

Mas não faltou comilança.
Nem inúmeros cochilos, de manhã, de tarde e de noite.

Teve pneu em estrada de terra,
caminhos com cheiro de mato,
e queijo branco da fazenda com goiabada do interior.
Teve massagem em cabana no mato,
e cheiro de pão no forno à lenha.


Teve cachoeiras e rios,
meditação e dormidinha com barulhinho de água.
Teve muita leitura: na rede, na grama, no sofá, na cachoeira, no tapete da sala...
E também cantoria e histórias ao som do violão.
Falou-se de comida, família, literatura, homens e astrologia.

Teve jantar à luz de velas
e velas e vinho aquecendo a conversa,
ora iluminando, ora escondendo
o olhar, a expressão, o pensamento.

Lá longe, no fim do vale, o horizonte.
E aqui, bem pertinho, bem juntinho,
cinco amigas em perfeita harmonia.
Vozes e almas que conversam e atravessam o tempo,
boundlessly.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Perdi a chave...


da casa aqui de dentro. Já faz algum tempo! Agora basta saber como entrar, sem arrombar a porta!

A MULHER E A CASA

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

(João Cabral de Melo Neto)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Visita inesperada


Foto by
Mário Pedroni






Até ontem não sabia o que fazer com o meu feriadão de 6 dias.

E eis que hoje acordo com o Ítalo Calvino batendo à minha porta.
Não fez gesto algum, apenas disse:
"Se meus desejos vão a ti em caravana, é do frescor dos olhos teus que ando à procura."

E meu sorriso já não cabia mais no rosto.
Parei tudo o que estava fazendo e agora arrumo minhas malas.

Hoje à noite partiremos para as cidades invisíveis, em busca de algo que temos em comum. Não das paisagens que se vão apresentando à nossa frente, mas das respostas que elas dão às nossas perguntas.

É impressionante como algumas pessoas aparecem em nossa vida assim, de repente. Pessoas que nos são familiares, mas as quais nunca vimos tão de perto.

E surgem como uma caixinha de surpresas, quando menos esperamos.
Mas exatamente no momento certo!

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Qual é a sua combinação?











Panetone com requeijão

Panetone com manteiga
Panetone com geléia
Panetone com mel
Panetone com chocolate
Panetone com sorvete
Panetone com calda de chocolate

Gosto que a gente guarda no pensamento
E só visita uma vez por ano

Outro cheiro-memória
que me lembra os natais na casa da minha vó
e os embrulhos que minha mãe mandava para mim no Canadá perto no fim do ano
e meu irmão pedindo panetone depois do almoço, da janta e do café da manhã

Hoje comi meu primeiro pedaço do ano
Ou melhor, do quase-não-mais-ano
E naveguei pelas lembranças
até que elas apagassem
o fim, o sem-fim
Travessia

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

LA RECHERCHE


Foto by
Mário Pedroni






"Tu cherches quoi?"
"Je cherche un régard dans la foule."
"Et c'est quoi, ce régard?"
"C'est la poesie d'un instant magique."
"Mais l'instant est ephémère, il se perd, il se va. Jamais on ne peut le garder. Et la poésie, on la garde, on la régistre."
"Alors, il ne s'agit seulement des mots sur la feuille blanche. L'image, la photographie, a aussi une poésie qu'on n'écoute pas, mais qu'on la sent. Et je vois, dans l'imprisionement de ce régard sur le papier photographique, la plus intense création poétique."

terça-feira, 6 de novembro de 2007

BOUNDLESSLY WORDLESS










Às vezes, as sensações experimentadas pelos sentidos, pela mente, pelo corpo ou pelo coração não precisam de palavras.

Precisam apenas serem sentidas e vividas intensamente.

Para quê definições?
Fecho os olhos simplesmente.
E o silêncio do sentir já me diz tudo o que quero ouvir naquele momento.

domingo, 4 de novembro de 2007

Minhas sextas, sábados e domingos










Rápido e Rasteiro


Vai ter uma festa

que eu vou dançar

até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro

tiro o sapato

e danço o resto da vida.


Chacal

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Que calor, meu Deus!











Hoje percebi que o céu de São Paulo não consegue chover direito.

Ensaia algumas modestas gotas pela noite, porém engole a real tristeza e derrama apenas despretensioso suor. Não há o pranto forte, verdadeiro e necessário, capaz de esfriar o concreto urbano, quase em chamas.

Hoje achei que ia derreter.
E agora chove uma chuvinha miúda, tímida, vagarosa.
De que é que o céu precisa para chorar com mais intensidade?

Através


Foto by
Mário Pedroni











Através

Parte uma fagulha
manchada,
perde-se, segue o
corte.
Risca a tez da noite,
pontua
a pele vazada.
Retoca o passo,
repele,
marca o ritmo de asa.
O tornado imóvel,
volve-
se,
relâmpago que assalta
e fecunda.

(Sérgio Bacchi Machado)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

CHEIRO DE MILHO


(Essa sou eu!)







Adoro milho verde!
Em qualquer lugar, a qualquer hora.

Não é coisa só de praia não. É também de cidade, de esquina do metrô, de ponto de ônibus, de porta da escola.

Só de mordiscar aquele grãozinhos macios, todos enfileirados, sinto tremenda satisfação, um prazer imenso.

Milho verde me lembra meu avô paterno. E a única lembrança real e visual que tenho dele, roubando meu milho e comendo fileira sim, fileira não. Fazia estradas na minha espiga, e depois me devolvia. Demorava um tempão nesta tarefa. E eu, depois de esperar pacientemente, comia os caminhozinhos já frios, porém mais gostosos, e feliz da vida porque tinham sido feitos especialmente para mim.

Mas hoje gosto de comê-los sem nenhuma arquitetura, nenhum planejamento. A cada mordida, enquanto os moles caroços se derretem na boca, os olhos fitam a mancha branca que
se vai formando, destruindo a perfeita simetria das linhas.

O cheiro doce, forte, grande, penetra aos poucos por todo o corpo. Um cheiro-memória que vai alargando a
fenda crua no meio das fileiras amarelas. Surgem caminhos tortuosos, buracos desiguais, desfazendo os fragmentos de lembrança que aparecem como linhas tênues e permanecem em imagem apenas um breve instante.

Até que toda cor se acabe em um simples bagaço.

Adoro o gosto e o cheiro do milho porque eles me levam para bem longe daqui.

Devagarinho, miudinho, sem me importar mais com coisa nenhuma.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

MOMENTOS PRECIOSOS









"Felicidade se encontra em horinhas de descuido"

"...dizia que o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma."

(João Guimarães Rosa - Manuelzão e Miguilim)

domingo, 21 de outubro de 2007

ADEUS






Adeus,
by Vlad Barreto




Olhou-a, fechou a porta e saiu. Voltou meses depois. Viu na chaminé extinta a ave lançar-se ao céu.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Eis a companhia (uma delas):

Paula disse...

Hora da mudança, da renovação, da esperança... e tudo isso no lugar mágico, perfeito... Entre ruinas e espíritos de uma civilização talvez mais evoluida humanamente que a nossa, vamos tentar absorver crescimento, realização, paixão!!!
Perfeito é ter parceiras do coração para dividir tudo isso. Eis o plano, Pri... Machu Picchu nos aguarde!!!

Eis o Plano:









Caminharei 4 dias.
Por vales e montanhas nevadas.
Com mochila, panelas e comida nas costas.
A 4000 metros de altura.
O Reveillon será no terceiro dia.
No acampamento, nos altiplanos da América do Sul.
No dia primeiro de janeiro de 2008 entrarei no Vale Sagrado.
Na hora certa, na companhia perfeita.
E com o pé direito.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O momento sublime








O Momento Sublime
Salvador Dali



Hoje. Segunda-feira à tarde, 15:00. Estou em casa, com roupa de ficar em casa, escrevendo no meu blog, e quando acabar vou ler o livro que está à minha espera na cabeceira da cama. Um livro de ficção, ao qual vou entregar-me completamente até me esquecer da realidade. Até que eu descubra quem matou o pintor e o tio do narrador.

Como é bom poder ser dona do tempo.
Poder amarrá-lo com uma cordinha e sair por aí, carregando-o pelas costas.
Nem que seja apenas por algumas horas.
Sem estar de férias. Em um dia útil.
E sem me sentir inútil.

É o meu momento de poesia, em que sinto a eternidade inteira.

Assim são minhas tardes de segunda-feira.

A LUCIDEZ PERIGOSA


Estou sentindo uma clareza tão grande

que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.

Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
- essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.

Clarice Lispector

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

What are you looking for?


"Literature is a luxury; fiction is a necessity"
(G.K. Chesterton)

Meditação










Ontem fiz um curso de meditação, lá na escola de yoga. Das 8 da manhã às 8 da noite.

Não me cansei nem senti o tempo passar.
Entrei com a mente cheia (de idéias, de memórias, de pessoas) e saí com ela vazia.

Então entendi como é bom tirarmos alguns momentos do dia para esvaziar a mente. E não pensar em nada. Concentrar-se em um símbolo, um mantra ou uma música, até que a consciência se expanda e se esqueça de si mesma.

O dia-a-dia nos faz esquecer de que somos feitos de ritmos e silêncios. Buscamos sempre o ritmo ideal, mas deixamos de lado o não-ser.

Ontem senti algo que nunca havia sentido antes: a minha própria paz.
Única e essencial.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Domingo no forró









Pares a postos. A sanfona espreme-se, derramando a primeira nota pelo salão.

Corpos arredondam-se por todo o espaço. Logo, a zabumba marca o um dois três dos passos, e o triângulo, tilintando sua presença pela composição, acaricia, com malicia e cumplicidade, cada nota que acompanha.

Fecho os olhos e parece que vôo. O corpo perde-se em sua imaginação, em variações infinitas de um mesmo compasso. Seguindo o ritmo do batuque, os pés advinham os movimentos e saracoteiam livres e soltos.

Aos poucos, a música decompõe-se dentro da alma e eu perco-me de mim.

Os passos vêm por si só, sem ensinamento ou aprendizado prévio. É como se fosse a alma que dançasse. E eu dôo-me por completo. Me sinto leve, livre, feliz.

Quando o ritmo dos pés atinge o intervalo perfeito, todo o corpo vive a experiência infinita da harmonia musical, corporal, sensorial.

Os corpos esquecem-se em sua dança própria, única, singular.

Assim é dançar de olhos fechados.

sábado, 29 de setembro de 2007

Eis...









um momento que dura uma eternidade inteira...

Time is boundless.






The Edge of Eternity
by David Makin



"Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira."

(Mário Quintana - A Cor do Invisível)

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Carpe Diem!








Ela "apertou o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu"
(Clarice Lispector)

terça-feira, 25 de setembro de 2007

O QUE ESTÁ FALTANDO?

uma inspiração
uma praia
um abraço
umas férias
um irmão
um jardim
um quintal
uma fogueira
umas estrelas
um sofá
uma viagem

Falta saber onde vou colocar tudo isso...


"Tu cherches quoi?"






Um dia perdi um sorriso.

Desses que a gente guarda com todo cuidado para não rasgar nem amassar.

Não o vi cair. Eu andava no meio da multidão e, quando me dei conta, ele já não estava mais lá no lugar onde deveria estar. Deve ter descolado e escorregado pela camiseta, - foi o que pensei - olhando por baixo da roupa logo o encontrarei. Mas não o encontrei. Ou talvez eu o tenha deixado em cima da mesa do restaurante, foi outra conjectura. Mas quando lá voltei não havia nada, nem ninguém havia visto coisa parecida.

Andei pelas ruas enlouquecida. Perguntei nas lojas por onde havia passado e às pessoas que andavam pelas calçadas. Dei-lhes a descrição minuciosa de tamanho, espessura, cor, volume, disse-lhes que não me lembrava de como havia acontecido. Espalhei cartazes de PROCURA-SE.

"Isso você não recupera mais", era tudo o que eu obtinha em troca.


Passaram-se meses, e o sorriso fazia falta. Procurava-o desesperadamente dia e noite por todos os lugares da cidade. Mas sempre sem resultado. Custei a acreditar que nunca mais o teria de volta.

Até que um dia desisti da busca.

Já se havia passado tanto tempo que eu nem dava mais por sua falta, pois o vazio havia-se tornado rotina. E passou a fazer de tal forma parte de mim, que eu já não podia mais viver sem sua (des)presença.

Até que um dia, inesperadamente, o sorriso apareceu. Foi lá, na casa velha. Bateu à porta, pediu licença. Havia uma festa, a casa estava cheia, os amigos espalhados pelo chão de madeira da sala. Mas eu deixei-o entrar. Desde então, nunca mais foi embora.

E quanto ao vazio, deste, nunca mais ouvi falar.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

SINGELICES










Hoje uma aluna da primeira série, de descendência chinesa, me deu um bilhetinho escrito assim:

"a professora priscia ela ensina inglês, é legal, eu gosta médio obrigado. Qual você mais gosta de cor?".
Me deu um beijo e saiu correndo pelo pátio.


O bilhete era um segredo. Não era prá contar prá ninguém ("nigém, ela escreveu em cor-de-rosa em baixo).

Desculpe-me, Amélia, mas achei tão singelo o seu gesto que resolvi dividir com o mundo.
Valeu o meu dia.
Curou-me do mal-humor em que estava por saber que iria perder mais um fim de semana preparando e corrigindo provas...

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

ENTRESSOBRAS
















Na entressombra

pensamentos
entre sombras

entre sobras

entre sobem

estremecem

entristecem

adoecem.


Nas entressobras

do que se esvai

o silêncio

implacável

impecável
revela que eu

o que eu
não quero pensar.


Nas entressobras

do não pensar

penso muito mais.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Are you still wondering?

"When you are looking for something to do for your entire life, do not ask yourself what the world needs. Ask yourself what makes you come alive, because what the world needs is people who have to come alive."
- Gile Baile

Um poema do Chacal














NAVILOUCA

quero encontrar você
o dia amanhecendo
num buteco
tomando média
olhos claros
translúcidos
- você, aqui?

de repente nós dois
e o resto.

a gente vai
andando andando
dando risada
falando bobagem
pisando a paisagem
viagem

de repente
numa esquina
de terno o tempo
vai passar
apertado apressado.
a gente pára o tempo.
diz a ele, calmamente,

como é a felicidade
e vai seguir seguir seguir...

(Chacal)

A felicidade de um simples momento em boa companhia nos faz esquecer da paisagem, das pessoas ao redor e do tempo. Este, é como se parasse. Vive-se uma alegria sem hora nem lugar, regida por uma outra lei, um outro tempo. Um tempo que aparece descontraído, relaxado, sem camisa, de bermudas, dizendo: "estou indo, preciso passar,
but take your time". E acena com uma mão um quase-adeus sincero, e nos deixa aproveitar um pouco mais a alegria daquele breve instante.

E tudo se apaga: o cenário, o relógio, as pessoas que não fazem parte daquele pequeno universo temporário…

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O QUE EU QUERO

Quero
Dançar às quintas
às sextas e aos domingos
O corpo leve
Os amigos em casa
Milho na esquina
Pedalar pelas ruas
Correr na praia
Ler Saramago
Amar e ser amada
Vinho com amigos
Uma boa conversa
na balada até o sol raiar
O homem ideal
Pastel na feira
Comida da mãe
com tempero da vó
Regar as plantas aos domingos
Confidências com as amigas
Ler um bom romance
Viver a poesia
Discutir filosofia
Tocar violão
Conversa ao pé do fogo
pela madrugada adentro
Praticar yoga
Acampar
Ouvir Toquinho
Um papo cabeça
Comer kabob
Acender fogueira
Esquecer-me do tempo
Falar francês
Telefonar ao meu irmão
Ir ao teatro
Dizer não!
Crônicas no jornal
Torradas com requeijão
Libertar-me dos padrões
Não ter religiões
Pôr do sol no mar
Olhar o horizonte
na praia deserta
na companhia certa
Cortar lenha no acampamento
Dividir a cama
Deitar no chão
e ouvir Bebo Valdés
Esperar um telefonema
Mandar um recado sincero
Ter um amigo especial
Escrever
Ler
Reler
Desler
Tocar Chico para alguém
Maquiar-me ao espelho
Vestir-me para um jantar
Olhar as estrelas
deitada na grama
Dormir numa barraca
Banhar-me na cachoeira
Receber uma declaração de amor
Rever velhos amigos
Fazer novas amizades
Conhecer a fundo as pessoas
e os lugares
Doar-me em uma conversa
Ser verdadeira
Sem máscaras
Derrubar constrangimentos
Ser única
Ser especial para alguém
Ser mágica
Ser eu

The sense of a beginning

















Boundlessly
formless

Here I am
Today, on this first page

Boundlessly wordless
I was
Until today, the first day

Here I spring
not from reality,
but from imagination

Infinite
Unlimited
Unbounded