sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

La Paz



Toda viagem só começa quando pisamos o chão do nosso destino.
Sinto que realmente cheguei a La Paz quando desço à rua, piso o chão e encaro os rostos cansados e tristonhos das cholas que passam por mim com seus sacos coloridos às costas. Em alguns destes, um amontoado de objetos as faz inclinar-se à frente com o peso. Em outros, percebe-se a cabeçinha de uma criança olhando ao redor.

De paz, La Paz não tem nada. Debaixo dos toldos azuis que cobrem toda a rua, cabeças apressadas movem-se desordenadamente pelos corredores estreitos por entre as tiendas. Por toda a rua, por todo lado, o comércio borbulha desde logo cedo sobre o asfalto.

Do chão, um colorido mágico prende o olhar até mesmo do viajante mais desatento. Muita cor nas saias das mulheres que levam a cidade às costas, nas bochechas rosadas das crianças de rostos rechonchudos, nos produtos à venda nas tendas (roupas, brinquedos, cacarecos, tecidos, comidas, artesanias), na fachada dos edifícios, nos copos das vendedoras de sucos coloridos nas calçadas, nas verduras e frutas expostas sobre mantas de cores brilhantes, nos letreiros dos outdoors, nos artesanatos...


La Paz afunda em um imenso lago de terracota, que se forma em uma cratera cercada de montanhas. Conforme se sobe as encostas, a cor muda, e têm-se uma impressão mais clara do imenso lodo. Do alto, a cidade multicolorida torna-se um emaranhado de terracota, quase incolor, contrastanto com a grandeza e brancura das montanhas nevadas e o azul brilhante do céu.

A paz está quando se consegue formar uma imagem completa deste turbilhão entre as montanhas e descobrir-lhe a beleza oculta. Do alto, do ar, quando o viajante se prepara para mergulhar ao fundo do poço para descobrir o arco-íris.

Como vou entrar em 2008


Eis o roteiro:

Saí de SP dia 23 de Dezembro, rumo à Bolívia
3 dias em La Paz
2 dias em Copacabana, às margens do lago Titicaca
Viagem rumo ao Peru no dia 28
1 dia em Puno, Peru, às margens do lago Titicaca
2 dias em Cusco
Ano Novo em Cusco
4 dias na Trilha Inca, caminhando e acampando
Dia 4 de Janeiro, chegada em Macchu Pichu, à pé
Partida para Lima no dia seguinte
2 dias em Lima
Retorno a SP, no dia 7 de janeiro.

Escrevo de Puno, e ainda nem cheguei na metade da viagem...
Muitas experiências, amizades, impressoes, reflexoes.
Só energia positiva, planos e mudancas para 2008.

sábado, 22 de dezembro de 2007

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

SER E NÃO SER


quando te vejo
dois olhos orelhas
nariz boca bochecha
eu me olho em ti

de repente num relance
somos um mesmo ser olhando

quando te encontro
braços pernas
barriga umbigo
eu me espanto contigo

pelo tempo de um relâmpago
somos dois seres se entreolhando

(Chacal)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Travessia










Esta semana estou em silêncio.

Para meditar.

Para repôr as energias.
Para rever o que foi e pensar no que será.

Quero me preparar,

para no dia 1 de janeiro de 2008,

começar a subida dos Altiplanos
rumo à cidade que não conheço.
Cidade sagrada para uns,

ponto turístico para outros,

mas, para mim, um objetivo,

um símbolo de persistência

em fragmentos do passado.


Caminharei 4 dias

em busca de mim mesma.

Em travessia.

E, ao chegar lá no alto,
talvez poderei compreender
tudo aquilo que deixei lá embaixo.

"Se digo que a cidade para a qual tende minha viagem é descontínua no espaço e no tempo, ora mais rala, ora mais densa, você não deve crer que pode parar de procurá-la. Pode ser que enquanto falamos ela esteja aflorando dispersa dentro dos confins do seu império; é possível encontrá-la, mas da maneira que eu disse".
(Ítalo Calvino,
Cidades Invisíveis)

sábado, 15 de dezembro de 2007

Amor


"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura"


(João Guimarães Rosa - Grande Sertão Veredas)

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Fragmentos








Desfiz-te em mil pedaços para poder ver-te por inteiro.

Cada fragmento em que te enxergava
em fração inacabada e limitada,
via um todo em si que continha uma pequena parte do todo de ti.

Busquei sentido em cada minúcia.
Cada detalhe foi friamente debulhado,
cada um em si e por si
até que nada restasse obscuro.

E finalmente percebidas por inteiro,
cada uma das partes,

agora não mais desconhecidas para mim,

fui aos poucos reencaixando,
recolocando ordem no que desordenado ficara.

Porém os fragmentos,
por minha mão novamente colocados juntos,
deram origem a um outro alguém,
um você-outro visto tão de perto,
que já não mais reconheço como o você de ontem.

Desfiz-te em mil pedaços
e minha lucidez de hoje
não mais me permite refazer-te como antes.

Mas não me importo nem um pouco com isso.
Porque recompor-te não faz mais o mínimo sentido.

Restam apenas fragmentos.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Paz interior










QUE CHEIRO ELA TEM?

Cheiro de chuva
Cheiro do ar antes da chuva
Cheiro de terra depois do temporal
Cheiro de mar
Cheiro de mata
Cheiro de cachoeira
Cheiro de fogueira
Cheiro de dama-da-noite numa rua movimentada de SP

Cheiros que amolecem a alma...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

QUASAR










Quem viu foi o Sérgio, e olha só a descrição que ele fez da coisa toda:

"Nada é mais profundo no homem do que a sua pele."
Paul Valéry

No programa que peguei antes do início, havia um texto muito chavão do coreógrafo explicando a "mensagem" que queria passar com aquela apresentação, tudo muito superficial. Pensei: isso vai ser uma bomba. Mas quando os dançarinos começaram a primeira música, uma dança que envolvia uma espécie de luta entre dois homens, não um confronto heróico, grandioso, épico, mas cotidiano, preso ao chão, urbano, seco - aí fiquei encantado. É outra linguagem, algo fora da palavra, de modo que pedir ao coreógrafo que transmita aquilo por meio de um texto é o mesmo que pedir ao Guimarães Rosa que dance com perfeição o Grande Sertão. Sem contar que o corpo humano quando se expressa daquela forma - direta, não em um filme gravado anteriormente, mas aqui, a cada passo que é presente, sempre incerto, uma quase queda que se torna algo belo, talvez devido justamente a sua fragilidade -, esse corpo ressurge para nós como uma espécie de tela mágica de pintura, a qual vai criando formas e cores a partir de sua superfície ou, se preferirmos, de sua interioridade carnal que, num arriscado golpe de luz, se torna pura visibilidade. Isso me transmitiu uma força de realidade, uma solidez de corpo e espírito, de uma qualidade bastante diferente da que a palavra costuma criar em mim.

(Sérgio Bacchi Machado)

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Tirou as palavras da minha boca...



"Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois; não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi."
(Mário de Andrade)


domingo, 2 de dezembro de 2007

SÃO PAULO


Foto by Vlad Barreto

There are only two ways to get to São Paulo: by land or by air. Either way, the traveller's choice doesn't matter; his lasting impression of the city will always be the same.

For those who travel by land, via a country road, they pass numerous impressive and beautiful landscapes, then, growing from the horizon, right after a curve behind a hill, they see a dull, uneven grey mass; a mosaic of concrete, projecting vertically, transforming into an unattractive jungle of shoebox-like trees.

Those who travel by air are taken aback by their first sight of the city and its haphazard forms. From the air, as far as the eye can see, the geography of São Paulo resembles a reservoir trying to swallow up the buildings. The greyish lake spreads between the valleys, veins and roads, until it becomes one with the uneven horizon. In the disorder and disorientation previously unidentifiable figures are now clearly visible. Even with its colours, everything seems dark, pallid, and anaemic. And so, as the traveller descends steadily, the once deformed horizon hides itself behind the immobility of vertical buildings, which seem to creep upward from the ground.

From high above or from the ground, the visitor arrives at a rock-solid city once seen as an immense colourless ocean. Closer, the unreachable space of its high vertical horizon defined by skyscrapers, the numbness on one's sight is finally realised.

Introduction to the book São Paulo, 17/7/2007,
by Vladimir Barreto, 2007

Translated by Vladimir Barreto