quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

A crise


eu não a vejo
mas ela me vê
te vê
se vê
da tv

O fim do ano



há amigos secretos, há presentes, há viagens
há panetone, há trânsito, há peru
há promoções, há saudades, há planos
há luzes, há cores, há distâncias
há sorrisos, há compras, há estômagos
há agendas, há enfeites, há tempo
há férias, há o roberto carlos na tv,
há felicidades
há músicas, há árvores, há a crise
há todo o céu, toda a terra, todas as pessoas,
o mundo inteiro
laiá laiá laiá
tralalalalá lalá lalá
haja, não haja
aja, não aja
como ficamos melancólicos no final do ano!

Tô gostando da brincadeira...


... tá ficando séria, tipo coisa de gente grande. Tá fazendo planos, querendo ir para outros lugares, viajar, conquistar o mundo. Achei que só era prá brincar, mas parece que a coisa toda não está para brincadeiras...

Alguém me perguntou como vai o teatro. Vai... e não volta pro mesmo lugar.

Em março estréio outra peça. Outro grupo, outro conceito, outros planos. Nada pronto, tudo em processo, todo o processo, criação coletiva, tudo inventado, do texto ao contexto. Do jeito que eu gosto, de ver e fazer. Dessa vez, o teatro é grande, e o bicho vai pegar.

E não pretende soltar.




segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Amigo Secreto


Época de amigos secretos.
A idéia era um presente feito à mão.


- Mas eu não
tenho tempo pra fazer o presente... estudo, trabalho. Como eu faço presente sem tempo???
- Dê a sua respiração.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Entrefins


Foto by Mário Pedroni

Foi ela quem começou:
- Vou partir, o tempo acabou.

A partida. Eis o começo do fim de tudo, o meio do caminho abreviado. Se o tempo não existia, tudo coexistia, no zero espaço-tempo?

Li a história toda no quando em que: os olhares se tocaram. Começo, meio e fim, exatos, sem que ninguém, nada. Cheiro de distância na sala, verdade dissolvida, pura e transbordante.

Ela tinha os pés tão plenos de chão, que era como se um fio a puxasse ao centro da terra. Mesmo parada, eram passos esticados até enfim, aqueles: sóbrios, concretos. Sem sombra de ser. Ela, insubstituível e inderrubável em sua ebulição. Ombros largos, quadris estabelecidos, joelhos a postos.

Nossa relação, por entre-nós. Bastava entre-sermos, entrermos. Porém, nos desertamos, desertificamos em qual memória. O que um dia inteiro, hoje, o necessário: máscaras, semi-abraços, pseudo-sorrisos, neblina. O tempo realmente acabara, para tchau.

Eu, rasa, olhos nos olhos, latejante. Abreviação: levitação. Eu não estava mais lá, flutuava em minha própria. Meus passos, perspectivos, moídos. Fiquei, interrompida.

Haver, a ver.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Locus poeticus


há poesia no vazio
na respiração
no silêncio
no não dizer
no espaço depois
no abraço a dois
sem som
sei, sou?
no perder-se de mim
num lugar sem fim
enfim
sós

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

EU SEI COMO DESCOMPLICAR O MUNDO!



IDA: "Eu estou aqui porque sei que as pessoas lá fora não conseguem lidar com o fato de o mundo não poder ser explicado. As coisas, assim como você, já vem nomeadas, etiquetadas, catalogadas e com instruções de uso. E aí eu venho como contra-indicação. E, como você pode ver, eu já passei do prazo de validade. E você, está aqui por que?"

Manual Prático para o Anonimato
(livremente inspirado na obra de Chuck Palahniuk)
Espaço dos Satyros 2

Pça. Franklin Roosevelt, 134 - República - Centro.

Telefone: 3258-6345

Domingos, 18:30

De 23/11 a 21/12


quarta-feira, 26 de novembro de 2008

MANTRA


"Mentalize sempre o melhor, prepare-se para o pior, e agradeça o que vier!"
(Mestre Shri Vyaghra Yogi)


segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Toque de campainha


o amor não está em mim nem em você,
mas no espaço entre

o medo não está no sim nem no não,
mas no espaço

a crise não está no começo nem no fim,
mas entre

o passado não está no antes nem no depois,
espaço

a esperança não está no presente nem no futuro,
entre

sim, entre
sem bater

Você não me vê, mas eu vejo você


às vezes acho que sou invisível
invisibilidade: negação ou opção?
visão ou negociação?
prisão?
re-visão

domingo, 16 de novembro de 2008

Onde você vai?


"A gente cresce sempre, sem saber para onde."

(Guimarães Rosa)


Uma janela, um livro e uma rede


O que viu foram esferas e planos. Vislumbrou o inesperado, o esticado. Um diluído perder da verdade, redondo, impedido em olhos de gente séria. A não-coisa pelos ares, surgida por detrás dos olhos, no turvo da memória. O insólito em nada pesado. Foi então que seu eu se dilatou, dissolveu.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Convido a todos para assistir a minha peça...


CIA. OS SATYROS DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO APRESENTA:

Manual Prático para o Anonimato
(livremente inspirado na obra de Chuck Palahniuk)

COM: CESAR GENARO,FABRICIO CASTRO,KATIA GOMES,JOSÉ ALESSANDRO
SAMPAIO, MICHELLE CALVACANTI,PRISCILA BARRETO E ROGERIO LUCAS.

DIREÇÃO DO NÚCLEO: ANDRESSA CABRAL


Estréia: 23/11
Espaço dos Satyros 2
Pça. Franklin Roosevelt, 134 - República - Centro.
Telefone: 3258-6345
Domingos, 18:30
De 23/11 a 21/12

Sinopse: Montagem que integra a Mostra das Oficinas dos Satyros. As
maravilhas do mundo contemporâneo encenadas por candidatos ao papel
principal da peça. A concepção do trabalho é resultado de pesquisa da
obra de Chuck Palahniuk (autor de "Clube da Luta") e tem como base a
metodologia do Teatro Veloz, desenvolvido pela Companhia dos Satyros.
Quanto: pague quanto puder
Duração: 60 min.
Classificação: 14 anos

Contagem Regressiva



Este ano o Reveillon será no deserto
Perfeito para esvaziar, ampliar, reverberar,
D E S E R T I F I C A R

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Filosofia na fila do banco


Uma hora ou outra a Internet te pega e te diz que ela não pode resolver todos os problemas do mundo. O caso foi que esqueci de pagar a conta do condomínio na data certa e o sistema me disse que teria de ir ao banco.

Detalhe: eu o-d-e-i-o ir ao banco. Odeio fila, porta giratória e cartazes com asteriscos. Porque no mundo real, nosso avançadíssimo sistema bancário é isso: um mundo de sonhos emoldurado por letras miúdas e notas de rodapé. O paraíso escorregadio. Da fila onde você passa a sua tarde ensolarada, apenas a porta do céu é visível.

Com todo o meu bom humor desta tarde fui, conformadamente, consertar meu erro na agência bancária. E eis que ouço, bem atrás de mim, mãe e filha conversando:

- Mãe, posso sentar naquele banco ali?
- Não.
- Por que não?
- Porque você precisa aprender a ficar na fila. Porque a vida é isso, nada mais do que isso.
(A menina faz cara de tédio)
- Porque até para enterrar um indivíduo depois de morto tem que ficar na fila, minha filha.

O universo em uma nota de rodapé.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Diário


Tenho máscaras. Não sou consumível nem abortável. Ando por corredores povoados de nulidades glorificadas. O mármore branco me sufoca. Quero respirar, porém inspiro sons e expiro areia. Ouço as buzinhas, mas sinto pausas somente.

Cinza é a cor de hoje. Cinza com leves toques de absinto. Monocromático e helicoidal, o meu dia; elasticamente urbano, porém.

Faz frio. Pausa. Olho minhas mãos. Pausa. Mãos de crematório parecem. Estendo os dedos para apanhar a tesoura ou colocar o dedo na tomada. Pausa. Penso em balões de veludo. O que será que isso quer dizer?

O mármore branco, a areia, a tomada. Nem mesmo eu sei.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Diálogo


- Por que você voltou?
- Para passar a vida como o vento.
- Aqui não há vento, não há nuvens, há paredes apenas.
- Sou lírica seiva a pulsar imperceptível sob a cartilagem.
- O que você vê?
- Vejo conceitos, conselhos e conventos.
- Há rumores?
- Não, há roedores.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

CRISE




Sou feita de palavras. Minha vida foi escrita a lápis; meu passado é feito de marcas deletáveis que permanecem ao fundo, em borra e pressão, sobre o papel. Minhas mãos são as tesouras do tempo. Meus pés são rachaduras de algodão. Meus passos, inaudíveis e invisíveis. Minha idade, apocalíptica. Meu futuro só é real quando inventado.

Vivo no espaço em branco entre o começo e o fim. Aliás, o que é a vida, senão o vazio entre fui e serei? Daqui do meio, não vejo nenhum dos lados, apenas imagino. Não é possível voltar nem ir adiante, então permaneço somente. A visão é turva, enevoada, esvoaçante. Olho para trás e vejo lascas de sombra, ritmos estilhaçados, teatro oco e mascarado. À frente há revólveres antecipados e o elástico estremecer dos cadáveres entalhados nas teias de vidro que te sustentam.

Cavei buracos entre passado, presente e futuro, e agora é preciso tapá-los para que eu fique visível. Sou o instante imediato, o centro absoluto, a ficção essencial que organiza o tempo e explica os porquês. Sou feita de histórias, estórias, vitórias, ruínas – mariposa de variadas plumagens a tecer os anais da História. Sou morfologicamente permanente e sintaticamente transitória.

Caminho sobre covas suspensas em liquido cemitério. Vomito ansiedades e mudanças. Revelo a enfática lâmina a costurar nuvens em palco de espelhos. Faço parte da ambigüidade deslizante que abrevia o alvo e descostura o arqueiro.

Sou a consciência que explica seu perímetro e apara suas arestas. Sou o fim prematuro epileticamente triturado.

Bem-vindos, mais uma vez, ao deserto entre. Apertem os cintos. Viajaremos por tempo indeterminado.

Res-piração instantânea


Foi inesperado.

De repente, olho pela janela e vejo o passado, parado ali, no terreno à minha frente.

Eu, a janela e o passado. Bem ali, no lugar onde nascemos. Já me havia esquecido do que, de quem. Eu-ele-fui. Poucas palavras, respiração em flor. Por um instante: imagens, miragens, silhuetas, re-cortes, nuvens, espelho. Fui-foi. Não houve olhares, apenas fatia, eco, tijolos e cimento. Descosturar, condensar, estremecer, refratar.

Fecho os olhos para desinflar. Quando abro, vejo surgir no vão da porta o presente e o futuro, de mãos dadas. Eu, a janela, a porta, o passado, o presente e o futuro. Ali, no lugar onde nos validamos. Naquele segundo: respiros, respingos, tomadas, lunetas de papelão, giro de maçaneta. Óperas díspares, o tempo encavalado. Sinto inflar a lâmina oca a empalhar as cinzas.

O presente entra, cumprimenta o passado, cochicha algo ao futuro e caminha em minha direção. Estilhaço as horas e abraço o instante. Não há algodão no rouco entoar das porcelanas. Fecho os olhos. Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro. Não ouço mais a canção de cimento. Inspiro. Expiro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Sobre palavras e coisas


As palavras moram nas coisas ou as coisas é que moram nas palavras? Quem é reflexo de quem: a coisa ou a palavra?

Tem palavras que são mais reais que as coisas.

"O sentido do universo é
o verso
que jaz escondido, não falado,
dentro do seu silêncio."

(Rubem Alves, Lições de Feitiçaria)

Você é real ou é de plástico?


"Tudo é real porque tudo é inventado"

(Guimarães Rosa)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Sobre relógios, roupões, relâmpagos e ratoeiras


A badalada que se reveste em luminosas armadilhas
O tique-taque abafado pelo relampear das arapucas
O tempo, que se resseca em trovões e emboscadas

Fondue



Quero fundir o eu-você em inspiração e saudade. Roo as horas à espera dos gestos que se enovelam em esquizofrênico silêncio. Bovinamente. Epidermicamente escorregadios. Ainda crus, perfuramos as verdades que se alisam em memórias.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Diálogo


- É muito longo o instante esvaziado de você.
- Respire fundo e prenda o máximo d'eu que puder.
- Não cabe tudo.
- O que fica não é sobra. É a sobremesa.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Terror de te amar


Terror de te amar num sítio tao frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeiçao
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Vertigem


sábado, 20 de setembro de 2008

Amanhecer em branco-e-preto



"Funcionar é preciso; viver não é preciso. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde, para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação precoce. Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora tudo é um "enorme presente", na expressão de Norman Mailer. E esse "enorme presente" nos faz boiar num tempo parado, mas incessante, num futuro que "não pára de não chegar". Antes, tínhamos os velhos filmes em branco-e-preto, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, de começo e fim, ficamos também sem presente. Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção.

Não há tempo para os bichos. Se quisermos manhã, dia e noite, temos de ir morar no mato."

(AMOR É PROSA SEXO É POESIA, de Arnaldo Jabor)

Sobre ratos, roupas e reis



As certezas roem as horas que se rasgam em palavras. A verdade da tua mentira está na voz deslizante que despovoa as reticências. O rato roeu as honras do rei do riso. O resto é relato rouco em rápido religar de rendas.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Tem certeza que você sempre diz a verdade?


"O que é, pois, a verdade? Um exército móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim o são, metáforas que se tornaram desgastadas e sem força sensível, moedas que perderam seu troquel e agora são levadas em conta apenas como metal, e não mais como moedas."

(Friedrich Nietzche)


segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Carnal


Não há mais epiderme em um olhar. Só nos resta a enxaqueca do afago. O sorriso míope, a carícia hepática. Os músculos rasgados em cutícula, gotícula, partícula. Tudo acabado em um vômito cardíaco. Não há mais texto para o pretexto.

ménage-à-trois


te ver
ter
ver
verter
converter
conter
comer e ter
cometer
meter
me ter
ver e ter
ver te
ter e ver
ter te
teve
tevê

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Sobre teleféricos, escorregadores e lunetas


E você, não sente falta de inventar o depois? Você fica aí, a esperar a cor do amanhã, tagarelando solidão e saudade, com os olhos tão engordurados de estrelas, senhas e teleféricos, que se esquece da própria escuridão. Daquela, entalhada na gruta que te esfaqueia as hipóteses. Sim, eu falo daquele buraco que estica suas profundezas até o impossível de se ver. Falo do vazio que lhe martela o esqueleto, pouco a pouco, com batidinhas camufladas que transformam as palavras em certezas escorregadias.

Por isso decidi costurar as janelas. Quando abotoamos o céu, não precisamos de lunetas. É como se o olhar estivesse empalhado: não há cores, apenas o lento desbotar do espaço.


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Sobre olhares e foices


Dois olhares separados por uma janela, um portão, uma rua, um pára-brisa. Não tiveram tempo de esfaquear o espaço. O instante-foice.

Um, ao lado de fora, perdido no ele-ela-foi, eu-ele-sou. O outro, em sua existência-silhueta na janela, um inaudível eu-ele-fui do não mais. O instante foi-se.

No entre-sombras, a olhar ares, há olhares. A campainha toca. Ele-múltiplo, que se devolve e se despossui. Não há ares, há olhos e mares. O oi-adeus estomacal entre porta e sofá. O instante fosse.

Olhos a espera, por detrás do pára-brisa. Espera-foice se o instante fosse o que foi-se.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Vai um abraço?











Quero te conter no meu abraço epidérmico, até despossuí-lo de olhares, ares, mares. Até que o todo de você se derreta em líquido eu. E meu rosto se desfaça em epilético sorriso. Esquelético fundir em epitético fulgir.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Alarme


O alarme disparou.

Vermelhos, os olhos despertam, já desbotados. Na madrugada irrigados e desalinhados, até que se esfumaçassem no camuflado das imagens-esqueleto. Ele-chuva-ontem, eu-cru-instante, vozes,
ela-outra-nua, ruídos-navalha, gestos-miragem, nós-vazio. Silêncio. Desespero.

Gritos de seda onde não se vê garganta. Som monossilábico em panos de diamante.

Dor, dorme.

sábado, 23 de agosto de 2008

Torpedo...


Apago a luz para te ver melhor. De olhos fechados vejo o mundo em poesia. Do vale grito felicidade. Então o eco me traz seu nome.

(Cesar Genaro)

Love is love, and blembers













- O amor é aqui?
- É
- E eu posso sair quando quiser?
- Pode. Mas o que tem lá fora?

(da peça Love and Blembers, de Georgette Fadel)

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Pode ouvir?









Alguém poliu as cordas do violão
Som desengordurado, desabotoado, desabituado
Nua, ela canta
Vermelha voz aveludada

domingo, 17 de agosto de 2008

20 anos recolhidos

chegou a hora de amar desesperadamente
apaixonadamente
descontroladamente
chegou a hora de mudar o estilo
de mudar o vestido
chegou atrasada como um trem atrasado
mas que chega

(Chacal)

Arrepio


Pele em flor. Mãos levianas, braços-afagos, pernas musicais. Esses lábios, pura melodia. O corpo a derreter-se todo. Aos poucos.

Inquieto silêncio a saborear o vendaval.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

O QUE ESTÁ FALTANDO


desabotoar
desabituar
desalinhar
desalojar
desapertar
desarrumar
desenhar
desdenhar
desembestar
desembaralhar
desembolar
desenrolar
desengordurar
desordenar
desesperar
des
per
tar


domingo, 10 de agosto de 2008

Buraco de fechadura


Vejo os termômetros plastificados. Quero correr, mas a porta está trancada. A temperatura se liquefaz ao frigir dos olhos, ácidos e permeáveis. Ouço o sussurar do relógio na parede. Solas de cristal em tablado. Sombras em vozes na parede. Só posso engolir e mastigar o tempo. Daqui, as profundezas do impassível. Sons implacáveis em molduras de gelatina. É na profundidade elástica que eu consigo te ver mais de perto.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Carta ao Senhor Ja-jabuti


(Minha cara de raposa rindo da sua cara de tacho)

O que vai fazer falta, agora que você está aí, do outro lado do mundo...

- a sua cara de tacho quando eu estiver com cara de raposa
- a sua memória gudória prá me lembrar o nome da fruta
- a formiguinha formigante prá me fazer dormir
- um andar tartarugamente pelas ruas a posar e tirar fotos
- nossas risadas musicais em um tu-RU-tu-RU de Beethoven
- contar histórias gudórias durante um concerto (gostei daquilo!)

Suas pegadas tartarugantes ficaram aqui! Estão por toda parte...

Espero que você descubra rápido rompante qual é o nome da nova fruta que pipocou aqui na terra e volte logo para nos contar! A bicharada toda está esperando, ansiosa pelo jantar.

Uma dica: às vezes é melhor parar a estória e sair de dentro dela para aprender o nome da fruta... ou, então, inventar uma canção para o caminho de volta!

E mais: muito cuidado com a misteriave-osa! Ela pode te enganar com aquela musiquinha, e querer que você fique por aí!

Saudações
da Raposa (com cara de raposa)

Palavras de cera


Parece que deslizam no fluxo da paisagem. Fluida passagem, instante escorregadio. Alguém quer se segurar, mas os galhos são de cera. Enceram o olhar que se encerra na primeira palavra. Não há ruídos, apenas gestos. Dedos que conversam. Mãos que esparramam grãos de areia, como se quisessem alisar o dia, alinhar a lentidão. Não se vêem os pés por debaixo da terra molhada, mas o chão é de cimento.


Em cenário de lama, quem usa botas é re
i.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Sinais de fumaça


Uma forma. Fôrma em fórmula. Sem nome, sem lei, sem limites. Apenas algumas marcas rompantes, ventantes. Sinais que rasgam ao fundo, o de dentro. Tudo queimado, incendiado. Uma voz. Um assobio. Um murmúrio.

Feche os olhos... Pode ver, agora?


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Homo Gramaticus











a emoção sujeita
a ação predicada

o gesto substantiva
a expressão adjetiva

no pensamento indicativo
a emoção subjuntiva
da consciência imperativa

o sentimento pretérito
da intuição presente
subordina a ação
subordinação
ao futuro mais-que-perfeito

olhar plural
superlativamente
superlativa mente

domingo, 20 de julho de 2008

Li em algum lugar...


"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo,e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)

Me concede esta dança?


Devagarinho, miudinho, intenso. Suor, respiração, ritmo. Ofegante, dançante, ressonante. Na duração do tempo que paira, de um instante que para. Mãos, olhares, corpos, batidas, batuques, baterias. Por dentro, por fora. Retumbante. O tic-tac bem ao longe, quase inaudível...

Está ouvindo?
Que música é essa?


quinta-feira, 17 de julho de 2008

Querido diário...



"Todo mundo tem um coma pessoal."

"Sua escrita, você andando pela rua, toda sua vida exibida em cada ação física. Como você mantém os ombros [...]. É tudo arte. O que você faz com as mãos, você está sempre tagarelando sua história de vida."

"O que você não entende pode significar qualquer coisa."

"Você pode pintar qualquer coisa porque a única coisa que você revela é a si mesmo."

"Como o espectador controla a visão. Como o artista está morto. Vemos o que queremos. Vemos como queremos. Só vemos a nós mesmos. Só o que o artista pode fazer é nos dar algo para olhar."

"Tudo é um auto-retrato. Tudo é um diário."

(do Diário, de Chuck Palahniuk)

Você está em coma?



As pilhas. Elas estão acabando. Depois disso vem o coma. O ritmo mudo do corpo adormecido. Inconsciente. Até que alguém compre baterias novas.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Conversa de botequim














- O que foi?
- Não foi, está sendo.
- Desde quando?
- Desde sempre.
- Sempre é o quanto você se conhece?
- Sempre é o que eu tenho saudade.
- A saudade não é nostágica. Ou é?
- Não, a saudade é o meu medo.
- Medo de quê?
- Medo de descer antes do ponto.
- Talvez o ponto já tenha passado.
- Talvez eu nem precise descer. Talvez eu já tenha descido.
Talvez o ponto esteja sendo. Talvez o ponto, uma linha.
- Uma reta?
- Seta. Ou flecha.
- Você se fecha...
- Eu me flecho.

domingo, 13 de julho de 2008

Qual o seu pedido?





















Tem coincidências que a gente não consegue explicar

Consoâncias que aparecem assim, de repente
E nunca mais vão embora

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Sobre árvores e pés









Os pés voltaram a pisar o chão
Sinto novamente a energia, a terra, a força
Pés disformes, quadrados
Parentes ainda distantes
Passos apertados, quase vazios
Andar esquálido
Estou descendo da árvore


O Mar



"Mãe, que é que é o mar? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?"
(Guimarães Rosa)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

FRIEZA


Imprevista, só mostra um quase
as horas se desfazem em palavras escorregadias
gestos elásticos, toque calado
vê o amanhecer do aqui dentro
agudo, devagar
em meios

o quase amargo, salgado
tudo apertado
em quadrado
suspensa verdade dilatada

domingo, 6 de julho de 2008

Outras inspirações flipianas


"A grande capacidade da literatura é mostrar o que foge ao convívio diário, aquilo que está arredio."
(João Gilberto Noll)


"A verdade é como um diamante: reflete a luz conforme a faceta em que ela incide."
(Pepetela)


"As narrativas se passam em um espaço que é o da imaginação de quem escreve, que não é necessariamente o espaço físico."

"Um livro só se torna um filme bom quando deixa de ser um livro e se torna um filme."
(Alessandro Baricco)


"Somos, antes de mais nada, feitos e fabricados de ficções, de tudo o que imaginamos. Crescemos e vivemos fabricando ficções. A ficção serve para enriquecer a grande ficção que é a nossa vida."
(Contardo Calligaris)

Inspirações da FLIP 2008


CHICO DOS BONECOS



























mágico encantador
cantador encantado
cantante contador
num instante rompante
minha imaginação puf puf


"A inteligência só chega realmente a funcionar quando a imaginação lhe serve de guia."
(Monteiro Lobato, citado por CHICO DOS BONECOS, na Flipinha 2008)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Flip 2008 em Paraty


























Ouço a história e perfuro o dia, a tarde e a noite.
Nas pedras, tecem-se estórias que atravessam o infinito de dentro da gente.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Retalhos


Eu, assim
Pedacinhos
Migalhas esparsas de palavras e silêncio
O completo da imagem, miragem
Apenas retratos possíveis
Tempo e espaço
Miniatura
Retalhos do que estou

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sobre palavras e pontes












Ando sobre a ponte, no abraço da névoa
Meus pés restauram o chão em palavras de vento
Vêm, voam, vão
Tecem descaminhos, redemoinhos
As palavras, não posso apanhá-las, apenas assoprá-las

Estou perdida?


Perder-se é encontrar-se no vazio. A escuridão do sou. Cegueira.
Meus olhos estão vendados, mas do outro lado vejo ponte e bruma.
A respiração se acalma.
Percebo e desvejo. Esqueço-me. Desaprendo.
É hora de me despir.


Sentido prá quê?


"o não-senso reflete por um triz a coerência do mistério geral, que nos envolve e cria"
(Guimarães Rosa, Tutaméia)

sábado, 21 de junho de 2008

Que horas são?


Dois relógios.
O primeiro, quando o sol, a lua, o nosso corpo.
O segundo, o quando da alma.
Este toca, o outro pára.
O mar inteiro em um líquido instante, infinitamente.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O QUE EU QUERO II







Foto by
Mário Pedroni







Quero acordar semente
levantar a luz
tecer a manhã
andar luminosamente
sair inteira
ver pensamento
ouvir o tempo
falar coraçãomente
cortar o fato
contar o agora
fazer espera
ler um sorriso
comer o vazio
esconder ressonâncias
beber entre-minutos
voltar estes minutos
sentar-me no dia
deitar a tarde
dormir o espaço
sonhar uma vida
outra vida
estas vidas

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Substância


"E seu coração se levantou. "- Você, Maria, quererá, a gente, nós dois, nunca precisar de se separar? Você, comigo, vem e vai?" [...] Ela tinha respondido: "- Vou, demais." Desatou um sorriso. Estavam lado a lado, olhavam para a frente."

"Sionésio e Maria Exita - a meios-olhos, perante o refulgir, o todo branco. Acontecia o não-fato, o não-tempo, silêncio em sua imaginação. Só um-e-outra, um em-si-juntos, o viver em ponto, sem parar, coraçãomente: pensamento, pensamôr. Alvor. Avançavam, parados, dentro da luz, como se fosse no dia de Todos os Pássaros."

(do conto "Substância", de Guimarães Rosa)

Imagem sorriso



Tenho o sorriso devagar
o olhar espaçoso
o ouvir vermelho
o sentir silêncio
a voz cigana
o pensamento quente
o querer semente

REFLETISER



refletindo
refletinindo
refletremendo
refletímido
refletimudo
refleticiclo
refletisido
refletriplico
refletipiso
refletilendo
refletilento
refletilongo
refletilouco
refletilindo
refletitido
refletisido
refletitudo
refletifujo
refletisugo
refletivendo
refletisendo

domingo, 15 de junho de 2008

Mudez


A boca está aberta, mas é apenas poeira que sai.
As palavras são feridas, a corrosão do corpo, por dentro.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Beware: is that your kid?


"We are the middle children of history, raised by television to believe that someday we´ll be millionaires and movie stars and rock stars, but we won´t. And we are just learning this fact," Tyler said."
(from FIGHT CLUB, By Chuck Palahniuk)

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Durante as pedras



Seguia em frente, sem conseguir parar. Pensava apenas no suor, no corpo, na respiração. Caminhava com rapidez, ritmo. Os passos em desenhada cadência. Quase musical.

Quando finalmente olhou para trás, não havia ninguém. Não havia mais volta. Por favor, não espere por mim, pensou. Eu já fui história, hoje sou caminho. De ida.

À frente, a trilha esticava-se até tocar o horizonte. Não sabia para onde, apenas pisava o durante. Os cascalhos que dançavam sob seus passos ardiam um calor metálico. Nada musical. Não conseguia parar. Nem mesmo ali, quando aquela curva. O ar, a paisagem, as pedras, o verde. Eu quero o novo e o agora, espero que tenha entendido. Criar. Nem que sejam apenas passos. Ou rastros. Ou poeira. Ou o nada.

Mas sei que até as pedras movem montanhas. Durante as pedras, meus passos são montanhas.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Sobre pensar e sentir


Será que é preciso saber para quê tudo isso serve?

Não posso apenas sentir?
Às vezes canso de pensar, de querer saber, de numerar, nomear, classificar, racionalizar...

Penso, logo canso.
Sinto, logo existo.


sexta-feira, 30 de maio de 2008

What's your reality?



"You can get plenty of folks telling the same lie if they got a stake in it. You get everybody telling the same lie and it ain't a lie, not no more."

"What if reality is nothing but some disease?"

"Maybe people don't travel back in time. Maybe it's lies like that, anything that smells better than the idea of death - black, inky, forever death - it's those kind of sexy lies that set up world religions."

"Ask yourself: What did I eat for breakfast? What did I eat for dinner last night?
You see how fast reality fades away?"

(From Rant, by Chuck Palahniuk)