terça-feira, 27 de outubro de 2009

Diamantina




Inalar história, mastigar edifícios e escoar-se na ferrugem das estórias que se tecem por entrelinhas, ao vento. Imaginar o vivido em chão de palavras e sons.

Enquanto isso: a vida - zunido, ruídos de viver.

Eu: dentro-fora, sem som. No meio, a ir-me.

Há momentos, em uma viagem, em que você inspira o lugar e se infla até expeli-lo por cada um dos póros da pele. Devagarinho, por toda a vida.

Sentir


os sentidos continuam sozinhos


eu vou embora
fazer sentido
comer sentido
molhar sentido
amarrar
cada pensamento
em cima da árvore



O terceiro dia do rio


Naquele dia, o terceiro. O maior de todos.

Às 5:30 da manhã, o sol claro, lúcido e líquido. Cigarras em sinfonia. O rio, acordado.

Remos em rio de espelho. Ou espelho de paisagem, costurado, descosturado por canoas e mãos.

Dia de curvas, muitas. Montanhas e paisagens refletidas no espelho. Reflexo do céu, da terra, de mim. A cada curva, um novo retrato, um rio-funil minúsculo que aos poucos vai crescendo em tamanhos de largura.

Dia de encontros: com dragas que sugaram diamantes, escoaram desejos e esmagaram o em volta de tudo, envolto em tudo. Com ilhas que desenham braços e espaços que se derretem em correntes de água.

Logo, um rio maiúsculo, em linha reta, onde se remam infinitos, lentidões e silêncios.

Dia de inspirar: sentir o entorno em seu de-agora e trazê-lo para dentro. Eis o momento em que a jornada, em que eu. Rio: travessia de mim.


"Mas então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água, que não pára, de longas beiras: eu, rio abaixo, rio afora, rio a dentro - o rio".
(Guimarães Rosa - A Terceira Margem do Rio)

Rio Jequitinhonha



A alguns quilômetros de Diamantina, o rio.

Visto de cima, sinuoso, insinuante. O rio-curva, rio-terra, rio-escuro - claro de areias.



Quatro canoas, remos, a bagagem, no rio. Remar, em círculos, em linha. Maiúsculos, os caminhos. Aos meios, corredeiras, enviesadas, empedradas. O rio, em pedras, em teias, em praias, areia.


Viajo ao som das cigarras, passarinhos e correntes. Concerto de silêncios. Sinfonia em remo nas águas: indo, vindo, saindo.

No meio do rio, desprendo-me de mim e inflo-me na inércia do ir-me, ir-se. Quatro dias de mim. O céu-sol oblíquo, veemente, a devorar a epiderme. Tudo ferve por dentro.
Justificar

Fim de tarde. O sol escorrega-se pelos entrevãos da Serra do Espinhaço. Quase-noite, uma praia, um riacho, as barracas. Uma fogueira. E as estrelas em céu a pintar o horizonte com bolinhas de diamantes.

O silêncio. As cigarras a embalar o rio. E eu, por dentro da noite.

Expedição pelo Alto Jequitinhonha - 10 a 17/10/2009